sábado, 24 de fevereiro de 2007

Duro de coração mole

Depois de Deco, a polémica em torno da entrada de mais jogadores brasileiros na Selecção Nacional ameaça regressar, ainda que mais atenuada, com o "caso" Pepe. Confesso que a minha posição de princípio é contra. Foi assim com Deco, é assim com Pepe. Confesso que, no caso de Deco, a sua postura de entrega total à Selecção das Quinas me tem agradado e aquele "parti-pris" que tinha contra a sua entrada na equipa nacional está hoje quase colocado de parte. Mas a posição de princípio mantém-se e, por isso, espero que Pepe nunca vista o "jersey" nacional.
Portugal é um alfobre de excelentes e bons jogadores. Somos um país pequeno, já não temos as ex-colónias onde fomos buscar as nossas maiores glórias, temos um número insignificante de atletas federados, quando comparados com a Espanha, por exemplo. Tudo isto é verdade, mas uma coisa ninguém nos tira, o talento para jogar à bola. Tivéssemos uma organização de excelência, um dirigismo com homens de bem e não "ratazanas", e Portugal já teria sido Campeão do Mundo e Campeão Europeu. Por isso, deixem lá estar o Pepe. Preocupem-se em ir buscar dirigentes estrangeiros, ao nível de um Platini, para substituir a nossa "galeria de monstros".
Já o mesmo não se passa no caso dos treinadores. Portugal, infelizemnte, ainda tem uma pecha muito grande na formação de técnicos, qualquer que seja a modalidade (com a excepção do hóquei patins).
No futebol com Scolari, no voleibol com o também brasileiro Jorge Schmitd, no basquetebol com o ucraniano Valentyn Melnychuk, no andebol com o sueco Mats Olsson, Portugal recorre aos serviços de estrangeiros para liderar as suas equipas nacionais. Acho que faz bem. Tanto mais que tem escolhido gente do "top" mundial.
Já há muitos anos em Portugal, Alecsander Donner é um desses técnicos que trouxeram muito da sua experiência e do seu saber para o desporto português. E ficamos todos a ganhar. Em Braga, Donner levou uma pequena equipa de província, o ABC, ao topo da Europa do andebol, uma modalidade em que não tinhamos grande prestígio.
Donner é um caso de sucesso. No ABC tornou-se quase uma lenda. À sua reconhecida classe, juntava o feitio irascível que fazia com que os jogadores o temessem. Ganhou tudo o que havia para ganhar.
No ano passado trocou Braga por Lisboa, o ABC pelo Sport Lisboa e Benfica. Foi para um clube onde o andebol tinha sido extinto ia para três anos e a equipa tinha andado a lutar na 3ª Divisão Nacional.
Era um desafio aliciante para um homem do carácter e da têmpera de Donner. Ele estava no Benfica, podia agora usufruir da visibilidade mediática que o seu currículo merecia, mas o andebol era, provavelmente, a modalidade mais mal-amada no maior clube português. Há mais de uma década que não se conheciam títulos. Mas a equipa, depois de uma travessia no deserto, estava novamente entre os grandes.
Há cerca de um mês, o Benfica chegava à final da Taça da Liga de andebol. Pelo caminho tinha derrotado FC do Porto e Sporting. No final, depois da vitória, a primeira em muitos e muitos anos, a Sport TV foi entrevistar Donner.
Fiquei boquiaberto. O irascível, o homem de rosto fechado, sempre zangado com tudo e com todos, o mal-amado, surgiu em frente à câmera de televisão de lágrimas nos olhos. Ainda pensei, por momentos, que era a emoção da vitória. Mas, c´om os diabos, Donner já tinha ganho tudo na vida, não era uma mera Taça da Liga que fazia ir às lágriams aquele duro.
A explicação não demorou. Donner contou que, no dia anterior, tinha ido com toda a equipa visitar uma instituição para crianças deficientes. A alegria delas foi tanta por verem ali o Benfica que Donner prometeu-lhes a vitória. Ao intervalo, no balneário, lembrou isso mesmo aos jogadores. "Não podíamos desiludir aquelas crianças" disse aquele homem, que muito cedo percebeu o que é o Benfica.

VOZES DE BURRO

Artur Jorge, antigamente conhecido como o "Rei Artur", disse um dia, numa célebre entrevista que quando via jogos de futebol na televisão, tirava o som e punha Mozart.
Artur Jorge, hoje a treinar uma obscura equipa francesa, nunca foi muito pródigo em afirmações consistentes, ele que até era reconhecido pelo seu perfil de intelectual, num meio onde algum basismo imperava e ainda impera. Mas, diga-se em abono da verdade, esta de substituir os comentários aos jogos televisionados pela música do génio austríaco é de mestre.
Estava certo e tinha razão ex-"Rei Artur". Os comentários dos nossos comentadores desportivos são ruído insuportável e, quando acompanhados por um jogo paupérrimo torna o espectáculo tão deprimente que o melhor é fazer "zapping" e procurar outros entretenimentos, nem que seja a Floribela.
Confesso que nunca baixei o som quando vejo um jogo na televisão. Nem nunca pus Mozart, Beethoven ou Strauss a acompanhar as fintas de Simão e de Miccoli. É verdade que os comentários continuam ao nível do lixo televisivo mas aquele ruído já me é tão familiar que a inércia vence sempre a indignação e a revolta.
Por isso, nunca escrevi sobre os comentadores desportivos. Atenção, não me refiro ao que comentam a actualidade desportiva ou fazem a antevisão dos jogos, onde reconheço alguns bons elementos, como António Simões e Rui Águas.
Refiro-me aqueles que fazem uma espécie de "relato televisivo" e que, de vez em quando, gostam de dizer umas barbaridades. Vou hoje romper este silêncio porque aquilo que me foi dado ouvir durante o jogo Dinamo de Bucareste - Benfica, para a Taça UEFA, transmitido pela TVI na passada quinta-feira, roçou a bestialidade.
Não sei quem foi, nem me interessa, mas fiquei, primeiro, estupefacto quando, ainda na primeira parte, um jogador romeno atira-se para o chão na grande área encarnada. "Penalty", gritou eufórico o nosso comentador. Depois, com o Benfica a vencer por 2-1, o mesmo sujeito deliciou-nos com alarvidades: "Esta equipa romena não tem ritmo competitivo. Está sem jogar há quase 2 meses." Etc., etc., etc.
Para fechar, quando se esperava que fosse comentada a excelente vitória encarnada em solo romeno, onde ainda esta época já caiu o Bayer Leverkusen, eis que o(s) nosso(s) rapaz(es) se entretiveram a comentar e a questionar Fernando Santos sobre o porquê de Nuno Gomes ter sido suplente e se vai continuar no banco no próximo jogo, na Luz, contra o Paços de Ferreira. Regressem Gabriel Alves e Rui Tovar, que estão perdoados.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Grandes Portugueses


Em Janeiro de 1983, num Coliseu dos Recreios completamente esgotado, José Afonso deu o seu último concerto. O PREC tinha chegado ao fim, a doce ilusão de construir uma sociedade sem exploradores e explorados (seja lá o que isso agora significar) tinha esbarrado na mole humana da Fonte Luminosa. Os tempos eram outros, já eram outros. Sá Carneiro tinha falecido num fatídico desastre de avião, o Conselho de Revolução tinha sido extinto com a revisão constitucional de 1982, o país tinha deixado para trás a febre revolucionária, cheia de erros, equívocos, malfeitorias, mas também com coisas que vale a pena recordar e valeu a pena viver, e entrava decisivamente na normalidade democrática (seja lá o que isso também significar). Aquele "happening" era, por isso, algo de estranho. Ninguém estava lá para comemorar o triunfo da Revolução (como a maioria dos presentes o entendia), nem para chorar a derrota do "poder popular". Ninguém estava lá para vitoriar os derrotados do 25 de Novembro de 1975, que ocuparam toda a primeira fila da plateia do Coliseu - Vasco Gonçalves, Otelo, Carlos Fabião, Vasco Lourenço, Rosa Coutinho. Ninguém estava lá para tomar balanço para regressar à Avenida da Liberdade e reivindicar o regresso ao PREC. Toda a gente presente no Coliseu naquele início de 1983 sabia que a "liberdade estava a passar por ali" e que o "Verão Quente" era uma miragem nostálgica. Estávamos todos ali por ele. Pelo Zeca Afonso. O nosso herói da Liberdade estava ali. De pé, no palco. Frágil, mas de pé. De quando em vez, sentava-se num pequeno banco ali colocado. Nos bastidores, uma equipa médica estava preparada para qualquer eventualidade. Em quase duas horas memoráveis, Zeca desfiou as canções que nos acompanharam nos "anos da brasa": "Venham mais cinco"; "O que faz falta"; "A morte saiu à rua"; "Os vampiros". Acabou como começou a Revolução. Com a "Grândola, vila morena". Um Coliseu de pé, como ele. De lágrimas nos olhos, como ele. De cravo na mão, como ele. Sempre ele, o nosso Zeca. Morreu faz hoje 20 anos.
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