sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Grandes Portugueses


Em Janeiro de 1983, num Coliseu dos Recreios completamente esgotado, José Afonso deu o seu último concerto. O PREC tinha chegado ao fim, a doce ilusão de construir uma sociedade sem exploradores e explorados (seja lá o que isso agora significar) tinha esbarrado na mole humana da Fonte Luminosa. Os tempos eram outros, já eram outros. Sá Carneiro tinha falecido num fatídico desastre de avião, o Conselho de Revolução tinha sido extinto com a revisão constitucional de 1982, o país tinha deixado para trás a febre revolucionária, cheia de erros, equívocos, malfeitorias, mas também com coisas que vale a pena recordar e valeu a pena viver, e entrava decisivamente na normalidade democrática (seja lá o que isso também significar). Aquele "happening" era, por isso, algo de estranho. Ninguém estava lá para comemorar o triunfo da Revolução (como a maioria dos presentes o entendia), nem para chorar a derrota do "poder popular". Ninguém estava lá para vitoriar os derrotados do 25 de Novembro de 1975, que ocuparam toda a primeira fila da plateia do Coliseu - Vasco Gonçalves, Otelo, Carlos Fabião, Vasco Lourenço, Rosa Coutinho. Ninguém estava lá para tomar balanço para regressar à Avenida da Liberdade e reivindicar o regresso ao PREC. Toda a gente presente no Coliseu naquele início de 1983 sabia que a "liberdade estava a passar por ali" e que o "Verão Quente" era uma miragem nostálgica. Estávamos todos ali por ele. Pelo Zeca Afonso. O nosso herói da Liberdade estava ali. De pé, no palco. Frágil, mas de pé. De quando em vez, sentava-se num pequeno banco ali colocado. Nos bastidores, uma equipa médica estava preparada para qualquer eventualidade. Em quase duas horas memoráveis, Zeca desfiou as canções que nos acompanharam nos "anos da brasa": "Venham mais cinco"; "O que faz falta"; "A morte saiu à rua"; "Os vampiros". Acabou como começou a Revolução. Com a "Grândola, vila morena". Um Coliseu de pé, como ele. De lágrimas nos olhos, como ele. De cravo na mão, como ele. Sempre ele, o nosso Zeca. Morreu faz hoje 20 anos.

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