quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Os jornais e o nosso tempo

É uma mera reflexão, que nada tem de actual, mas que vem há muito tempo a ser aflorada no “millieu” dos jornais desportivos e que é assunto recorrente da minha tertúlia de amigos, jornalistas e ex-jornalistas.
Porquê agora esta reflexão, perguntarão os meus caros leitores? Foi suscitada por um “post” de um blog sportinguista de qualidade e de referência, o “Leão da Estrela”, cujas opiniões não podem ser negligenciáveis dada a dimensão da sua audiência, e que, por isso, visito frequentemente (é preciso conhecer bem os adversários para melhor os combater).
Este “post” tem duas notas dominantes: “acusa” o jornal “A Bola” de ser benfiquista e de apresentar uma qualidade inferior. A ideia de “A Bola” ser uma espécie de voz oficiosa do Benfica é um “cliché” instalado, a que se juntaram outros, o “Record” ser do Sporting e “O Jogo”, do FC do Porto. Poupo a paciência dos leitores sobre as razões porque é assim. Vamos à “A Bola”.
Começo por um registo de interesses: sou leitor fiel de “A Bola” há mais de 30 anos. Guardo edições de “A Bola” com preço de capa de 1 escudo. Dia sem “A Bola” não é dia. Aprendi a ser “cidadão do mundo” com Vítor Santos, Carlos Pinhão, Aurélio Márcio, Carlos Miranda, Alfredo Farinha, Cruz dos Santos, Santos Neves, Homero Serpa, e, mais tarde, Vítor Serpa, Joaquim Rita, Rui Santos, e tantos outros.
A “A Bola” cresceu, afirmou-se e tornou-se “A Bíblia” ao mesmo tempo que o Benfica dos anos 60 galvanizava a Europa e estarrecia o Mundo com o seu futebol de sonho, as suas conquistas inigualáveis e o seu “Dream Team”, com Eusébio à cabeça.
Em Portugal, mas principalmente nas comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, a “A Bola”, provavelmente, a única voz livre durante o Estado Novo, levava a grandeza de Portugal empunhada por esse fantástico e único plantel de jogadores que ajoelhou o Real Madrid de Di Stéfano e o Barcelona de Kubala, o Santos de Pélé, o Brasil de Garrincha, a URSS de Yashin, e muitos outros. Portugal tinha por quem se orgulhar. Não só no futebol, também no hóquei, com Livramento e Ramalhete, e no ciclismo com Joaquim Agostinho. (Deixem, já agora, contar uma história, lenda ou não, sobre as “fintas” de “A Bola” à Censura do Estado Novo: estava Agostinho no seu auge e a “A Bola”, querendo vê-lo a brilhar no “Tour”, titulava “É tempo de emalar a trouxa e zarpar”, aproveitando uma frase da célebre canção de Zeca Afonso, “Venham Mais Cinco”. A manchete, julgo saída da genialidade de Carlos Pinhão, lá passou sob os olhos da analfabeta Pide).
“A Bola” esteve lá. A “A Bola” está lá. Já não há Carlos Pinhão, jornalista inigualável de profissionalismo, de honestidade intelectual, de rectidão de carácter, nem Vítor Santos. Já não há Eusébio, nem Coluna, futebolisticamente falando, graças a Deus!
Mas há “A Bola” e há o Benfica dos nossos tempos. Tempos diferentes, conjunturas diferentes. Mas o jornal da Travessa da Queimada soube manter a elevação de carácter e nunca esqueceu que muito deve ao Benfica na sua implantação nacional e internacional. O Benfica também sabe o quanto a “A Bola” é importante, como veículo informativo credível, transparente, sóbrio. Na Direcção de “A Bola” está hoje um jornalista impoluto e de qualidade, Vítor Serpa, cuja cor clubística toda a gente conhece, é belenenses, como seu pai, Homero Serpa, testemunha e protagonista vivo da “A Bola” dos anos de ouro.
Na Direcção de o “Record” está outro jornalista credenciado, que não conheço pessoalmente, Alexandre Pais, também belenenses. Na Direcção de “O Jogo” está Manuel Tavares, jornalista experiente e de qualidade, adepto do FC do Porto. Acham que todos estes jornais estão “feridos” na sua imparcialidade? Não acho.
E mais. Acho que o jornalismo imparcial e neutro é uma fraqueza de carácter. Sei por quem torcem jornalistas da craveira intelectual e com a qualidade de escrita de Leonor Pinhão, Ricardo Lemos, Rui Cartaxana, João Querido Manha, Rui Santos, José Manuel Delgado, João Bonzinho, António Simões, António Magalhães, José Manuel Ribeiro, Jorge Maia, António Tadeia. Nem por isso tal lhes diminui a credibilidade, antes pelo contrário!
Para quem tanto vilipendia o jornalismo desportivo (onde se exige a imparcialidade que não existe noutras áreas, como a política), aqui está um naipe de jornalistas que faz inveja a muitos jornais de referência.

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