Lilian Thuram, de joelhos, abraçado por Deschamps (branco), Thierry Henri (negro) e Yuri Djorkaeff (francês de origem eslava), depois de marcar um golo à Croácia, nas meias-finais do Mundial de 98.
Lilian Thuram é jogador de futebol e é negro. Fez parte das maiores Selecções que a França já teve, só comparadas à espantosa “tricolor” que caiu, ingloriamente, aos pés da Alemanha no Mundial de 82, em Espanha. Uma “tricolor” que tinha Platini, Giresse, Tigana, Fernandez, Trésor, Rocheteau, Six. Nenhum foi campeão do Mundo.
Thuram foi. Ergueu a “Jules Rimet” numa quente tarde de Julho, em pleno Stade de France, depois dos “Bleus” terem esmagado o Brasil por 3-0. A seu lado estavam Zidane, o eterno Zizou, Emanuel Petit, Fabien Barthez, Desailly, Deschamps, Candela, Pires, Henry, Djorkaeff.
Lilian Thuram foi, e é, um grande jogador de futebol. Jogou na Juventus, joga no Barcelona. Sempre ao mais alto nível. Mas, para além disso, é, caso raro, um cidadão com ideias próprias, claras, consistentes. E que não teme expô-las.
Não posso, um pouco por invulgaridade, um pouco por homenagem a “toute la France” do Mundial de 98 e que – como eu – desceu os Campos Elísios na festa do futebol total, respigar uma marcante entrevista dada por Lilian Thuram ao “Libération”, antes da segunda volta das eleições presidenciais que elegeram Nicolas Sarkozy.
O que pensa dos resultados da primeira volta?, perguntou-lhe Chérif Ghemmour, enviado do “Libé” a Barcelona.
“…A minha prioridade é fazer tudo para que as pessoas vivam em conjunto e se respeitem e que não se procurem bodes expiatórios. Ora, é isso que fazem Le Pen, Villiers (do Movimento pela França, extrema direita) e, ultimamente, Sarkozy. Acho que a minha visão da sociedade não é a de muitos, visto que Sarkozy ficou à frente”.
O cursor do debate político deslocou-se, portanto, para a direita e mesmo a extrema-direita?
Completamente! Infelizmente, houve uma viragem após o 11 de Setembro de 2001. Entrámos num ciclo de medos, de desconfiança. O que se passou nos bairros periféricos teve um peso enorme no imaginário colectivo. Quando se dão manifestações daquela ordem, há sempre uma ascensão do racismo. Atravessamos uma verdadeira crise da cidadania.
Mas o povo francês, ou pelo menos uma boa parte dele, tem uma dificuldade real em dar lugar a esses “outros” franceses…
Hoje, em França, o inconsciente colectivo é assim: o outro é diferente, é inferior. Como explicar às pessoas que se pode ser francês sendo todos iguais? Hoje, em França, as pessoas declaram-se mais facilmente racistas do que dantes. Deviam ter medo desse sentimento: se forem mais racistas, os outros também o serão.
Qual dos dois candidatos se aproxima mais do seu “projecto de vida”?
É evidente que Nicolas Sarkozy não se enquadra no “viver em conjunto”. Recusar dar-se ao trabalho de recordar as memórias é recusar-se a avançar. É preciso reler o passado para preparar o futuro. Ele está disposto a tudo para ser Presidente. Diz aquilo que as pessoas querem ouvir…Já lhe disse que desperta o racismo latente das pessoas e estou disposto a repetir-lho.
E Ségolène Royal?
Ela correu o risco de dizer que queria uma França de mestiçagem. É um risco porque penso que a maioria dos franceses não está preparada para ouvir esta ideia.
Teria gostado que os desportistas franceses se tivessem envolvido mais nesta campanha?
Relativamente à estigmatização dos imigrantes e dos jovens dos bairros periféricos, sim, lamento que não tenha havido mais envolvimento. Porque a maior parte de nós teve um percurso bastante semelhante: viemos das camadas da sociedade ditas “desfavorecidas” e, portanto, temos todos a mesma sensibilidade.
Muitas pessoas pensam que os negros e os árabes são vítimas da sociedade e devem forçosamente votar à esquerda…Não será uma forma de racismo encarar as pessoas segundo um código predefinido?
Evidentemente! Pode-se ser negro e votar Le Pen, Sarkozy ou à esquerda…No que me diz respeito, é muito difícil não ser sensível a algumas coisas mais incomodativas.
A França não estará a mentir a si própria, ao tardar em oferecer às suas “minorias visíveis” o lugar que estas têm o direito de esperar?
De qualquer modo, a França não consegue ver-se tal e qual é…Vou muito ao estrangeiro e a acusação mais frequente que é feita aos franceses é de serem pretensiosos. O nosso país vive na recordação da “Grande França”. Hoje, é urgente que encontremos qualquer coisa mais inteligente…
E já estamos nesse caminho?
Não é certo que o consigamos…
Independentemente de concordarmos ou não com as ideias de Lilian Thuram, uma coisa é mais que certa, não há ninguém no futebol português a falar assim. Lilian Thuram, um grande jogador dentro e fora dos relvados.
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