António-Pedro Vasconcelos quer que o Benfica "não deixe morrer o Apito Dourado e o Apito Final" Cineasta de intocável prestígio - assinou alguns dos filmes portugueses mais emblemáticos e com maior êxito de bilheteira, como "Jaime", "Oxalá", "O Lugar do Morto", "Call Girl", "Os Imortais" -, António-Pedro Vasconcelos, homem da cultura, cosmopolita, cidadão do Mundo, não esconde nem disfarça (nem deixa que escondam) essa paixão chamada Benfica.
Benfiquista, não lhe chamo notável porque "ser benfiquista" tem inerente esse qualificativo, mas benfiquista de reconhecida notoriedade e voz ouvida e respeitada em diversos foruns, António-Pedro Vasconcelos deu-nos o prazer e a honra desta entrevista a "O INFERNO DA LUZ".
As ideias, as reflexões e as palavras são de um homem habituado a ter razão, infelizmente muitas vezes antes de tempo, e por isso merecem a atenção devida a quem pensa pela sua própria cabeça.
"Penso o melhor de Quique Flores"
"O INFERNO DA LUZ" : Qual a sua opinião sobre o que se tem passado no futebol português, nomeadamente esta situação no Conselho de Justiça?
ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS (A-PV) - Já há muito que o actual presidente, o Dr. Gonçalves Pereira, deveria ter-se demitido ou ter sido demitido. O que se passou põe a nu o que tem sido a clubização da justiça no futebol, e descredibiliza por completo os órgãos dirigentes do futebol em Portugal. Além da renovação do pessoal dirigente, das estruturas e dos regulamentos, no plano da Justiça é urgente a criação de um Tribunal Desportivo.
"O INFERNO DA LUZ": - Como interpreta o silêncio do Governo (secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias), a posição da Federação e da Liga?
A-PV - É lamentável que o Secretário de Estado do Desporto se pronuncie activamente em defesa de Scolari, que intervenha directamente quando se trata de castigar um jogador por alegado doping, como foi o caso do Nuno Assis, e se cale depois quando está em causa uma outra vertente, e bem grave, da verdade desportiva como é a corrupção na arbitragem.
"O INFERNO DA LUZ": Como classifica a actuação do Benfica em toda esta sequência de acontecimentos jurídico-desportivos?
AP-V - Tenho pena que o Benfica seja parte interessada neste processo, mas também tenho pena que o Sporting e os outros se calem. Preferia obviamente que o Benfica tivesse garantida a presença na Champions, e agisse, portanto, só em nome dos princípios. Mas acho que não se pode calar sempre que estiver em causa a verdade desportiva, a lisura dos processos, a transparência e a isenção das decisões e a independência e imparcialidade da justiça, como é o caso.
"O INFERNO DA LUZ": Faz bem o Benfica em erguer a sua voz (juntando-se assim a Platini) para pedir a condenação do FCPorto e consequente suspensão da inscrição na Liga dos Campeões?
A-PV - Está respondido.
"O INFERNO DA LUZ": Deve o Benfica aceitar um eventual benefício para integrar a Liga dos Campeões da próxima época?
A-PV - Claro que sim. Se for essa a decisão da UEFA.
"O INFERNO DA LUZ": Luís Filipe Vieira tem sido o porta-voz (agora mais em silêncio) da revolta do Benfica e da defesa da credibilidade do futebol português. Acha que a sua estratégia está correcta?
A-PV - O Benfica fez bem em não deixar morrer o processo do Apito Dourado e do Apito Final. Mas devia ter procurado a todo o custo encontrar aliados e não ficar isolado. A pressão para que a Liga, a FPF e os Tribunais tomem decisões sobre este caso, num ano em que o clube falhou redondamente no plano desportivo, tem dois inconvenientes: embaraçar os decisores, que podem temer ser acusados de estar ao serviço dos interesses do clube, e dar azo a que se diga que quer ganhar na secretaria o que perdeu eloquentemente no campo. Quanto ao Presidente, acho que, neste momento, faz bem em estar calado e deixar que sejam os responsáveis pelo departamento jurídico a pronunciar-se. Tal como no caso do futebol, em que tem deixado, finalmente, ao director desportivo a gestão da comunicação. Um dos seus erros nos anos anteriores foi ter falado demais, prometido demais, não ter sabido calar-se quando era preciso.
"O INFERNO DA LUZ": O que pensa de Quique Flores?
A-PV - Penso o melhor. Tem um discurso responsável, mobilizador e competente. Esperemos para ver. Mas é preciso ter paciência para ver os resultados.
"O INFERNO DA LUZ": E do trabalho que tem sido desenvolvido por Rui Costa como director desportivo?
A-PV - O Rui Costa tem as limitações do orçamento, do vazio deixado esta época, da incerteza sobre a Champions, da falta de estruturas sólidas no plano da formação, dos olheiros, dos clubes satélites, etc.
"O INFERNO DA LUZ": Os reforços têm sido do seu agrado?
A-PV - Os grandes reforços, para mim, são o Léo e o Katsouranis. Não se pode fazer uma equipa toda de novo, sem jogadores da casa, que ajudem os novos a integrar-se. Nesse sentido, a permanência destes jogadores e também do Quim, Moreira, Nelson, Luisão, David Luis, Petit e Nuno Gomes é decisiva. E gostava de ver de volta o Ricardo Rocha e o Tiago, por exemplo. Quanto aos outros, não quero dar por adquirido o que são, por enquanto, só promessas. Tem dado azar. Mas o Aimar e o Miccolli seriam bem vindos.
"O INFERNO DA LUZ": Quem gostaria que viesse ainda a envergar a camisola do Benfica?
A-PV - Não estamos no domínio da utopia. É preciso, sobretudo, não cometer erros, ter só os jogadores que são precisos, consolidar um sistema de jogo, começar a época, pela primeira vez há três anos para cá, com alguma calma e várias certezas.
"O INFERNO DA LUZ": O que espera da próxima temporada?
A-PV - Espero que o Presidente não se meta, não mande bocas, não perturbe quem trabalha. Espero que haja finalmente uma onda de solidariedade entre treinador, director desportivo, jogadores e adeptos. Espero que não haja batota. E espero que o Benfica ganhe tudo em que estiver envolvido.