terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Crónica do Peão: Carta aberta a Beckenbauer *

Caro Franz:
Tenho guardado, religiosamente, o artigo que escreveste em 28 de Dezembro de 2006, já lá vai quase um ano, publicado no jornal Record. Reli-o depois daquela sabotagem feita pelo árbitro Olegário Benquerença, num célebre Benfica – FC Porto, ao não validar o golo de Petit, depois da bola entrar na baliza de Baía. Voltei a lê-lo agora, depois de uma reportagem sobre as bolas com “chip”. Li-o sempre com o interesse devido às opiniões de um Kaiser do futebol. Retenho-me sempre numa passagem, assaz curiosa. Dizes tu que sempre que vais a Londres és confrontado com a dúvida sobre se no célebre terceiro golo inglês da final do Mundial de Inglaterra, em 66, a bola transpôs, ou não, a linha de baliza. E dizes mais: que um jornalista inglês te confidenciou que recentes métodos de alta sofisticação provam que a bola não entrou mesmo.Neste ponto, tens a frase que me suscitou esta reflexão: a derrota alemã nessa final foi “uma dor que superei há muito tempo”. Que dor, Franz? Não foi à dor física de um braço ao peito, com que jogaste parte daquela final, a que te referias. Foi a uma “dor” mais forte que transportaste durante anos – a derrota com um golo “fantasma”.Mas, pensa bem. O que foi essa “dor”, comparada com a de Eusébio, banhado em lágrimas, agarrado a Manuel da Luz Afonso, a sair de Wembley, nesse mesmo Mundial de 66. Lembras-te Franz, da “batota” inglesa de obrigar Portugal a viajar 400 quilómetros de comboio para disputar a meia-final com a Inglaterra? Achas que Eusébio já superou essa “dor”? Ele, o Pantera Negra, que, ao contrário de ti, nunca mais teve outra oportunidade para se sagrar campeão do Mundo, como um campeão como ele merecia.E que me dizes da “dor” de Cruyff, em 74, lembras-te? Como te poderias esquecer daquela louca final do Mundial da Alemanha? Um Olímpico de Munique boquiaberto com o banho de futebol que a tua selecção, Franz, levou de uma Holanda, mágica “laranja mecânica” que assombrou o Mundo. Ganhaste, mas foi como se tivesses perdido. Achas que Cruyff já superou essa “dor”, ele, o mágico da camisola 14, que nunca ergueu a “Jules Rimet”?E a “dor” de Sócrates, naquela maravilhosa “canarinha” do Mundial de Espanha de 82, que “morreu” às mãos da cínica Itália de Paolo Rossi? E a “dor” de Maradona, afastado pela FIFA do Mundial de 94 nos EUA, ao ser apanhado no controlo anti-doping?O que foi a tua “dor” comparada com as de Eusébio, Cruyff, Sócrates ou Maradona? O que foi a tua “dor” comparada com a nossa, os que amam o futebol-arte? Nós, os que nunca superamos a “dor” da derrota dos “Magriços”, em 66, da “Laranja Mecânica”, em 74, do “Escrete”, em 82, da “Celeste”, em 94. Podes perceber, Franz, a diferença entre esta “dor” e a dúvida sobre uma bola que entrou, ou não?

* Publicado, por mim, em http://mestresdofutebol.blogspot.com

1 comentário:

  1. ...dos Camarões em 90; da Itália em 2002, eliminada por uma arbitragem caseira num mundial "encomendado" para o Brasil; do Manchester em 2004, eliminada por aquele q viria a sagrar-se campeão, com um golo limpo anulado; do Jorge Andrade, neste mesmo ano, expulso injustificadamente,contra este mesmíssimo Porto (parece coincidência, mas não é) perante o cinismo (este sim cinismo) de Deco; do Roberto Baggio, no mundial 1994, depois de ter feito um mundial fabuloso, e no fim falhar aquele penalti na final. Como pode ver, dores não faltam, o que tem de haver é várias perspectivas para reconhecê-las.

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